1974-1980
1974-Em março, a revista Visão publica carta em que Glauber define o General Golbery como "gênio da raça", e afirma sua crença no processo de abertura política conduzido pelo novo presidente Ernesto Geisel. A carta provoca polêmica e acusações. Em carta anterior, do mesmo período, de Roma, para Zuenir Ventura, diz: "eu pobre me viro muito ligado aí na pátria: se tiver eleições me arranje um partido que me candidato a Presidente". René Gardies publica na França, pelas Éditions Serghers, o livro “Glauber Rocha”, a partir da sua tese de doutorado defendida em Paris.
• Glauber se apaixona pela atriz francesa Juliet Berto e, em junho, escreve de Roma: "Casei com “La Chinoise” Juliet Berto. Desta vez é para sempre".
Concluído em Roma, “História do Brasil”, O ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria) retira seu apoio e nome dos créditos do filme, por discordâncias estéticas e políticas. Começa a preparar a produção de “O Nascimento dos Deuses”, com locações previstas para o Egito e Grécia. Em julho recebe a visita da filha Paloma Rocha em Paris.
Em agosto de 74, escreve: "vou para o Egito com Juliet fazer as locações e orçamento e em setembro preparo aqui tudo pra filmar em outubro. Se, por
imprevistos, o filme não sair vou logo pra N. Yorque com o outro roteiro, “A Idade da Terra”, e com dinheiro pra viver aí até montar a produção". Viaja para a Grécia e o Egito, de onde manda um cartão ¬postal para a família: "Estou aqui com Juju [Juliet Berto] fazendo locações. O Egito é um Nordeste. Tudo bem. Agora vou pegar o avião para Babilônia. Voltarei no final de 75”. Sob o impacto do assassinato do cineasta Pier Paolo Pasolini, no dia 2 de novembro, escreve de Roma para O Pasquim o artigo "Amor de macho".
• Outros projetos: filmar "O Capital”, com Orson Welles no papel de Karl [Marx] e Dirk Bogarde no papel de Frederico [Engels] na “velha Londres proletária monárquica colonialista do século passado".
• O general Ernesto Geisel é o novo presidente da República. O cineasta Roberto Farias assume a direção da Embrafilme. São lançados: “O amuleto de Ogum”, de Nelson Pereira dos Santos; “Guerra Conjugal”, de Joaquim Pedro de Andrade e “Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura. O filme “Iracema”, de Jorge Bodansky e Orlando Senna, é proibido. O cinema experimental ressurge com “Triste Trópico”, de Arthur Omar, e “O Rei do Baralho”, de Júlio Bressane. Paulo Emilio Salles Gomes publica “Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte”.
1975 -Viaja para o México para levantar produção para “A Idade da Terra”. Negocia também uma co-produção com Equador e Venezuela. Glauber deseja rodar “A Idade da Terra”, "metade no México ou no Equador ou na Venezuela e metade nos Estados Unidos: San Francisco e Nova York". Não consegue o financiamento pretendido. Retorna a Roma, aonde filma “Claro”, com Juliet Berto, Carmelo Bene e intervenções do próprio Glauber. “Claro” estréia em outubro, causa polêmica e, é bem recebido no Festival de Taormina. Exibido no Festival de Paris, em novembro, o filme recebe críticas violentas. O crítico francês Jacques Scliar, do Le Monde, escreve: "Infelizmente o desprezo do autor pela linguagem ‘burguesa' e seu gosto pela imprecação o conduzem dessa vez para além do suportável". Jean-Louis Bory, do Nouvel Observateur, fala em "narcisismo confuso e, sobretudo insuportável". Em carta para Alfredo Guevara de novembro, escreve: "Realizei um filme em Roma, “Claro”, que obteve ótimas e péssimas críticas. Um filme novo. Quero que você veja. Filmei em 11 dias, por 50 mil dólares, 9 mil metros de filme".
• Na coleção “Il Castoro Cinema”, da editora La Nuova Italia, de Florença, o número 13 é dedicado a um estudo da obra de Glauber Rocha, de autoria de Cinzia Bellumori.
• Em novembro recebe um bilhete de Orson Welles disposto a encontrá-lo em Paris. Projetos: em carta para Cacá Diegues, revela: "Volto a Roma para filmar “Revolução”. Queria fazer em Paris, mas não dá". Não há outras referências ao projeto. Escritos: de acordo com carta do editor Ênio da Silveira, de novembro, Glauber preparava um romance de 750 páginas chamado “História do Brasil” (provavelmente fruto das pesquisas para o filme de mesmo nome); e um volume intitulado “Filmes de Glauber Rocha”, livro com os roteiros de seus filmes; e mais “Alexandre, o Grande”, livro de quatrocentas páginas (provavelmente parte da pesquisa ou do roteiro de “O Nascimento dos Deuses”, escrito para a TV italiana).
• Glauber começa a articular sua volta ao Brasil. Nas cartas aos amigos menciona sempre as dificuldades financeiras. Escreve a João Carlos Teixeira Gomes, em novembro, sobre a possibilidade de tornar-se cor¬respondente internacional do jornal da Bahia e anuncia: "Se voltar ao Brasil, voltaria à Bahia, onde quero ser Governador, conforme disse no Pasquim". Em dezembro consulta o jornalista Peter B. Schumann sobre a possibilidade de trabalhar na Alemanha. Prepara seu ensaio crítico intitulado “Revolução do Cinema Novo”.
• Separa-se da atriz Juliet Berto, no final de 1975. Vai para o Convento Saint-Jacques, da ordem dos dominicanos, em Paris, por sugestão de Itoby Alves Correa temeroso que as perseguições ao terrorista Chacal levassem a polícia aos militantes latino-americanos exilados na França. Propõe a Julíet Berto, uma temporada nos EUA.
• É obrigada a exibição de filmes brasileiros 112 dias por ano. O Brasil chega a 3276 salas de cinema. São lançados “O Rei da Noite”, de Hector Babenco, “Lição de Amor”, de Eduardo Escorel,. O Festival de Brasília retorna após três anos interditado. O Festival de Pesaro dedica uma mostra ao cinema brasileiro. O jornalista Wladimir Herzog é assassinado. Crescem as publicações da imprensa alternativa. O livro, “Crônica do Cinema Paulistano”, de Maria Rita Galvão é publicado.
1976 -Glauber viaja para Moscou onde permanece por duas semanas. De lá escreve para Paulo Emílio contando sua visita ao acervo de Eisenstein e um encontro com Luís Carlos Prestes: "O Cavaleiro da Esperança é muito inteligente, bem ¬humorado, forte, ativo e cultíssimo apesar de seus 78 anos. Causou-me excelente impressão, foi uma entrevista informal que algum dia publicarei". Em Moscou tenta financiamento para o filme “O Nascimento da Terra” (com elementos de projetos anteriores: “América Nuestra”, “O Nascimento dos Deuses” e “A Idade da Terra”). Escreve: "Estou disposto a voltar ao Brasil mesmo que seja para enfrentar um processo".
Recebe convite do produtor Daniel Talbot para ir para a Califórnia apresentar seus filmes em universidades. Na carta de Talbot, de 15 de janeiro, há um bilhete manuscrito de Francís Ford Coppola para Glauber lamentando não poder produzir “A Idade da Terra”, pois iria filmar nas Filipinas (“Apocalipse Now”). Projeto: em carta a Peter B. Schumann, de janeiro de 1976, diz:
"Tenho um tema para Paris: um documentário sobre os desempregados do terceiro mundo em Paris: eu, os negros, os árabes, os sul-americanos... é um filme-verdade, improvisado. Eu, cineasta desempregado, faço entrevistas com outros terceiromundistas desempregados".
• Glauber vai para a Califórnia, onde apresenta seus filmes nas Universidades de Berkeley, Stanford e Fresno. Nos EUA, busca financiamento para os projetos: “A Idade da Terra”, “O Nascimento dos Deuses”, e para a adaptação de “The Wild Palms”, de Wíllíam Faulkner. Em Los Angeles, Glauber tem o passaporte liberado pelo Itamaraty para voltar ao Brasil, por intervenção do general Golbery do Couto e Silva. De Los Angeles escreve para Jorge Amado: "Estou terminando meu livro escrito nestes cinco anos de exílio: chama ‘Universo’, deve ficar com quatrocentas páginas e acho que está muito bom... fiei uma transação literária com você, com Rosa, Zé Lins, Graciliano". Volta ao Brasil em 23 de junho, depois de cinco anos de exílio.
• Em setembro, do Rio, escreve para Raquel Gerber: "saiba que tenho ao todo treze livros pra publicar, entre o de cinema (500 páginas), um romance (Universo), um Romanceiro do sertão (300 páginas), um Fantástico Folhetim (1968) e o diário do exílio, além dos poemas e do Mapa da Bahia, que são todos meus poemas e contos e peças que não publiquei. [...] vou filmar um Globo Repórter chamado “Introdução à Villa-Lobos”, pra ser lançado no dia quinze de novembro. pedi 5 mil dólares por meia hora e liberdade total. Pagaram sem pedir roteiro. [...] montarei as óperas “O Guarani” e a “Yerma” de Villa-Lobos-Lorca e ficarei morando na Bahia".
• Conhece, no Rio, Maria Aparecida Braga (Cuca). Filma o velório do pintor Di Cavalcanti, em 27 de outubro, no Museu de Arte Moderna. As filmagens do enterro levam mais tarde à interdição do filme pela justiça a pedido da filha adotiva do pintor, Elizabeth Cavalcanti, sentença em vigor até hoje.
• João Goulart morre no exílio e Juscelino Kubitschek morre num acidente de carro. O bispo de Nova Iguaçu, no Rio, é seqüestrado. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio e o Cebrap, em São Paulo, sofrem atentados. É criado o Conselho Nacional do Cinema (Concine). “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto, faz 10 milhões de espectadores, “Xica da Silva”, de Cacá Diegues, chega aos 3 milhões de espectadores. São lançados: “A Queda”, de Ruy Guerra e Nelson Xavier e os documentários “Iaô”, de Geraldo Sarno, “A Pedra da Riqueza”, de Vladimir de Carvalho,. É publicado “A Bela Época do Cine¬ma Brasileiro”, de Vicente de Paula Araújo.
1977 -Morre Anecy Rocha, em 27 de março, no Rio de Janeiro, ao cair no poço de um elevador. A morte da irmã deixa Glauber profundamente abalado. Interrompe o romance “Riverão Sussuarana” e incorpora a tragédia ao texto do livro. O curta-metragem “Di”, com imagens do funeral do pintor Di Cavalcanti, ganha o prêmio especial do júri no Festival de Cannes. Glauber escreve: "É o filme mais moderno e revolucionário dos anos 70 no mundo. É novo em enquadramento, em som, interpretação, montagem - uma novidade Barroca-épica". Realiza o média-metragem “Jorjamado no Cinema”, produzido pela Embrafilme para ser exibido na TV. Nasce, no dia 4 de agosto, Pedro Paulo de Araújo Rocha, filho de Glauber e Maria Aparecida de Araújo Braga. Glauber reencontra a colombiana Paula Gaitán em férias no Brasil e os dois passam a viver juntos. Viaja para Brasília e começa a colaborar com o jornal Correio Braziliense. Torna-se amigo dos jornalistas Fernando Lemos e Oliveira Bastos. É lançada a coletânea "Glauber Rocha", organizada por Raquel Gerber para a Editora Paz e Terra, com ensaios de autores brasileiros e estrangeiros sobre Glauber. Cinzia Bellumori lança na Itália “Glauber Rocha” (Florença, La Nuova Italia). Glauber passa a utilizar uma ortografia própria nos seus textos, substituindo as letras c, i e s por K, Y, Z e X. Textos antigos são "corrigidos" pela nova ortografia.
• Cresce a campanha pela anistia política. São lançados: “A Dama do Lotação”, de Neville d'Almeida (6,5 milhões de espectadores), "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", de Hector Babenco (5 milhões de espectadores), “Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão” (5,7 milhões de pagantes). Outros filmes: “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, “Chuvas de Verão”, de Cacá Diegues, “Mar de Rosas”, de Ana Carolina, “Ladrões de Cinema”, de Fernando Cony Campos, “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos, “Coronel Delmiro Gouveia”, de Geraldo Sarno, “Gordos e Magros”, de Mário Carneiro, “Vereda Tropical”, de Joaquim Pedro de Andrade, “Morte e Vida Severina”, de Zelito Viana. Morre, em setembro, Paulo Emilio Salles Gomes.
1978 -Glauber filma “A Idade da Terra” em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro. Na Bahia, as filmagens despertam polêmicas e sofrem interdições. Durante as filmagens da procissão de Conceição da Praia, um padre católico alega que Jece Valadão, ator de chanchadas, não podia fazer o papel de Cristo; o diretor cultural do Museu de Arte Sacra da Bahia, Valentim Calderón, proíbe a entrada de Glauber com atores dentro do museu. Em 19 de janeiro, durante a filmagem em Brasília, nasce Erik Aruak Gaitán Rocha, filho de Glauber e Paula Gaitán. Glauber lança-se candidato conforme carta para Jorge Amado: "tenho ambições políticas: ser Ministro das Relações Exteriores ou da Educação e Cultura (acho que esse ministério deve ser dividi¬do - quero ser ministro da Cultura) e/ou governador da Bahia, suceder o próximo e, naturalmente, Presidente, mas com eleições diretas". O romance “Riverão Sussuarana”, de Glauber, é publicado pela Editora Record e “Cabezas Cortadas” é liberado sem cortes pela Censura Federal, em outubro.
• Os metalúrgicos do ABC de São Paulo. Torna-se obrigatória a exibição de filmes brasileiros 133 dias por ano e a exibição de um curta-metragem brasileiro como complemento dos filmes estrangeiros. São lançados: “Anchieta, José do Brasil”, de Paulo César Saraceni, “A Lira do Delírio”, de Walter Lima Jr. “A Batalha dos Guararapes”, de Paulo Thiago, O cineasta independente Luiz Rosemberg Filho realiza “Crônica de um Industrial”. A Embrafilme produz uma série de filmes para televisão, entre eles “Joana Angélica”, de Walter Lima Jr. Os filmes não são exibidos na TV.
1979-Nasce, em 21 de março, Ava Pátria Yndia Yracema Gaitán Rocha, fi¬lha de Glauber e Paula Gaitán. Glauber edita um suplemento no Correio Braziliense, na sexta-feira da Paixão, chamado “Alvorada segundo Kryzto.
“Cabezas Cortadas” estréia em junho no Rio de Janeiro, precedido pelo curta-metragem “Di”. A filha do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti, proíbe sua exibição no cinema e na televisão.
Glauber colabora em diferentes jornais. Além do Pasquim e do Correio Braziliense, escreve regularmente para a Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil. Tenta obter uma bolsa de estudo na Inglaterra para "uma Tese sobre a Dramaturgia de Oscar Wilde e possivelmente a montagem de uma de suas peças e conseqüente filmagem Tv etc". Escreve em julho para José Guilherme Merquior: "Além do projeto sobre Oscar Wilde, há um roteiro embrionário sobre Marx e Engels... um filme sobre as relações da Economia com a Filosofia e uma montagem do Fausto de Marlowe... além do mais, minhas macumbas me levaram do terreiro da Umbanda às feitiçarias de [William] Blake".
• É convidado por Fernando Barbosa Lima para participar do programa “Abertura”, na Tv Tupi, em que entrevista intelectuais, políticos e artistas, e conquista enorme popularidade.
• Em carta de agosto, o editor Ênio Silveira se dispóe a publicar os livros inéditos de Glauber e menciona a entrega do romance “Jango”, com cerca de quatrocentas páginas, ficcionando a vida e idéias do presidente João Goulart. Em setembro, Glauber protesta por não ter sido convidado para o Festival de Brasília. Discute no saguão do Hotel Nacional, com o convidado francês Jean Rouch (cineasta que admirava), acusando-o de "colonizador" e "agente de Quai d'Orsay".
• Em dezembro escreve para Alfredo Guevara: "Estou com 40 anos, ida¬de ótima. Vivo finalmente com o amor de minha vida, uma poeta colombiana, Paula Gaitán, e tenho dois filhos, além de Paloma que tem 18 anos, e é atriz e diretora de teatro e cinema". "Estarei em Cannes. Pretendo em seguida filmar na Espanha, CARMEN - porque a ópera de Mozart Losey é uma mierda e quero viver unos tiempos em Sevilha".
• O general João Batista Figueiredo torna-se presidente da República. Fim do AI-5. mas a repressão às greves operárias continua. Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes, entre outros, voltam do exílio. Celso Amorim é nomeado diretor da Embrafilme. Surge a Cooperativa Brasileira de Cinema, no Rio. São lançados: “Bye Bye Brasil” , de Cacá Diegues, “República dos Assassinos”, de Miguel Faria Jr .e “Muito Prazer”, de David Neves. O cinema reflete o mo¬mento político com “Braços Cruzados”, “Máquinas Paradas”, de Roberto Gervitz e Sérgio Segall; “Greve!”, de João Batista de Andrade e “Greve de Março”, de Renato Tapajós, “Terra dos Índios”, de Zelito Viana e “Em nome da Razão”, de Helvécio Ratton. O clássico “Limite” (1930), de Mário Peixoto, é recuperado e lançado nas principais capitais do país
.O crítico Jean-Claude Bernardet publica “Cinema Brasileiro: Propostas para uma História”.
1980 -Morre em 6 de junho, Adamastor Bráulio Silva Rocha, pai de Glauber, que viaja meses depois para participar da competição do Festival de Veneza com “A Idade da Terra”. A obra-testamento do autor choca o público e divide a crítica. Entusiasmado, o cineasta Michelangelo Antonioni afirma que o filme “é uma verdadeira lição de cinema moderno”. Contra a violência da crítica italiana que ataca Glauber por seu apoio ao plano de abertura política do General Geisel, os intelectuais brasileiros enviam um abaixo-assinado à direção do Festival em defesa da liberdade de expressão do cineasta. Assinam: Jorge Amado, Joaquim Pedro, Leon Hirzman, Nelson Pereira, entre outros.
O escritor italiano Alberto Moravia tece elogios na imprensa ao caráter visionário do filme. Após a premiação, revoltado com o lobby dos grandes estúdios, Glauber faz uma passeata no Lido denunciando a corrupção e a decadência do Festival.
O escândalo em Veneza leva à retirada de “A Idade da Terra” do Festival de Cinema Ibérico e Latino-Americano de Biarritz. Em entrevista ao jornalista Pedro del Picchia, Glauber desabafa: "Saí de Veneza vomitando. Passei dois dias em Florença com uma febre alta. Estou doente em Roma. Roma está fedendo, a cidade está cheia de marginais, está suja. [...] Minha relação com o cine¬ma acabou em Veneza. Aproveito para dar um adeus definitivo à vida cultural brasileira. Vocês não me verão mais. Nunca". Em dezembro, Glauber viaja para Paris para acompanhar uma mostra dos seus filmes num festival de cinema latino-americano. Projetos: Em carta enviada de Paris, em dezembro para Celso Amorim, escreve: "decido-me com Claude-Antoine e outros produtores sobre o roteiro atual: “O Império de Napoleão”, cuja primeira versão escrevi no Brasil e estou fazendo a segunda para se passar na Paris de hoje. Este é o filme que vou fazer este ano, embora não saiba como [...] Se eu voltasse ao Brasyl, filmaria também “O Império de Napoleão” com o título de “O Império de D. Pedro II”. Mas este painel que monta Flaubert-Stendhal-Picasso-Hitchcock é uma descoberta nova e especial para a França". O filme, “O Império de Napoleão”, seria uma livre adaptação de um livro de Stendhal. Livros: "Existem uns 5 a 6 livros (romances, peças, poesias, entrevistas, críticas de ‘artes’, ‘letras’ e ‘políticas’) para serem publicados, quase todos mais ou menos prontos, cujos originais se encontram com a minha mãe na Bahia.
Além disto, cerca de 20 roteiros ‘esboçados’ para cinema e TV. Estive aqui com Aluísio Magalhães, de quem sou velho amigo, e dei-lhe 8 laudas relatando todos meus filmes, livros e projetos. Manifestei-lhe o desejo de fundar uma Empresa de Comunicações em Paris (com ramal em Lisboa) e dar início à minha produção". Ainda nesta carta, Glauber escreve: "vivo pobremente e angustiado pela pobreza e por isto doente: passei 15 dias vomitando com dores terríveis e Aluísio Magalhães encontrou-me bastante abalado". Passa o Ano-Novo em Vincennes com amigos parisienses, na casa da crítica de cinema e amiga francesa Sylvie Pierre.
• São produzidos 103 longas-metragens brasileiros. Os filmes “Eu te Amo”, de Arnaldo Jabor; “Pixote”, de Hector Babenco; “Gaijin”, de Tizuka Yamasaki, e “Os anos JK”, de Sílvio Tendler, fazem sucesso. Nova greve dos metalúrgicos do ABC paulista.
1981 -Em janeiro, Glauber organiza, em Paris, uma exibição de “A Idade da Terra” para cerca de cinqüenta pessoas na sala Gaumont-Gare de Lyon. Em fevereiro, viaja para Portugal, onde é recebido pelo cineasta português Manuel Carvalheiro, diretor do documentário “Abecedário”, que inclui longo depoimento de Glauber gravado em Paris. Vai para Sintra, onde se encontra publicamente com o presidente João Batista Figueiredo. Em abril, a Cinemateca Portuguesa exibe uma mostra de seus filmes, interrompi¬da por um incêndio que destrói cópias dos filmes.
• Em Sintra, Glauber recebe os amigos Jorge Amado e João Ubaldo, se isola com a família e, em abril, escreve para Cacá Diegues: "Paula e os meninos florescem... Paloma e minha mãe na Bahia... [...] sinto-me mais ou menos em casa, boa cama, boa mesa, bom clima, trans-romantismo...". Nesta carta, refere-se à peça sobre João Goulart: "escrevi a peça “Jango”, deixei os originais com Luiz Carlos Maciel, está ainda incompleta, mas é Teatro e não cinema".
• Em abril, Glauber dá um longo depoimento em vídeo ao ator Patrick Bauchau, que filmava com Wim Wenders em Portugal, identificado:"Sintra é um belo lugar para morrer". Encontra-se com Wim Wenders e Samuel Fuller. Com a saúde abalada há alguns meses, Glauber apresenta como diagnóstico uma pericardite viral. Em carta para Celso Amorim, de abril, descreve: "Aqui tudo mais ou menos. Estou me recuperando da pericardite e escrevendo o roteiro ‘O Império de Napoleão’.
Em carta de 16 de junho para o produtor americano Tom Luddy, Glauber afirma: "Estou escrevendo um novo roteiro: “O Destino da Humanidade”.Vou acabar no dia 20 de agosto".
• A sua saúde piora e, em agosto é internado num hospital próximo a Lisboa por complicações bronco-pulmonares. Em estado de extrema gravidade é trazido de volta ao Brasil na noite do dia 20, sem acompanhamento médico. Chega ao Rio de Janeiro no dia 21 e recebe soro ainda na enfermaria do Aeroporto do Galeão: É levado para a Clínica Bambina, em Botafogo. Morre às 4 horas da manhã do dia 22 de agosto. Glauber é velado no Parque Lage, cenário de “Terra em Transe”, em clima de comoção e exaltação. Em 27 de agosto, a TV Globo exibe “Glauber Rocha-Morto/Vivo”, programa dirigido por Paulo Gil Soares. A TV Bandeirantes exibe, em 29 de agosto, “Glauber na TV”, com trechos do Programa Abertura. Em 31 de agosto, “A Idade da Terra” é relançado no Rio de Janeiro no cinema Rian e em Salvador no Cine Glauber Rocha (ex-Guarany). Em setembro, Luiz Carlos Maciel monta um show no Canecão em homenagem a Glauber, com a participação de atores e artistas. Mostras e retrospectivas de sua obra acontecem no Brasil (Salvador, São Paulo, Brasília) e em vários países. Na Inglaterra, o National Film Insti¬tute dá prosseguimento a uma retrospectiva de seus filmes. Outras mostras acontecem na França (Institui National d'Études Cinematographiques) e Estados Unidos (American Film Institute). Em setembro, Glauber é homenageado no Festival Internacional de Figueira da Foz, em Portugal, e no Encuentro de Intelectuales por Ia Soberania de los Pueblos de Nuestra America, em Havana, Cuba. “História do Brasil” é exibido pela primeira vez no Brasil, em dezembro, no Cine Arte UFF, em Niterói.
• A Embrafilme publica no Brasil, “Revolução do Cinema Novo”, coletânea de artigos e entrevistas de Glauber. Na Itália, a editora da RAI publica o roteiro de “O Nascimento dos Deuses”, de Glauber, com desenhos de Paula Gaitán.
Projetos: Em texto inédito (série Produção Intelectual, Acervo Tempo Glauber) o roteiro intitulado "A conquista de Eldorado" (provavelmente escrito em Sintra em 1981). Glauber passa em revista toda sua vida, numa espécie de balanço e roteiro de atividades e viagens realizadas, onde é encontrado o seguinte registro:
Filmes a fazer: “O destino da humanidade”, “O nascimento dos deuses”, “Os imortais”, “Infinito”, “Ilyada”, e “Odisseya”
• A explosão de uma bomba do Riocentro fere dois militares envolvidos no atentado contra os participantes da festa do 1° de Maio. “Eles não usam Black Tie”, de Leon Hirszman, é premiado no Festival de Veneza, em Havana e outros festivais. São lançados os documentários: “Terceiro Milênio”, de Jorge Bodansky e Wolf Gauer; e “Jânio a 24 Quadros”, de Luiz Alberto Pereira (Gal).






